Ilustração por Luisa Mancini. Rio de Janeiro, 2025.
Várias vezes, quando vou à academia, faço exercício ao lado de pessoas bem mais velhas do que eu. Imagino que vocês também e sei que não há nada de incomum nisso. Mas, nos últimos dias, tenho visto em repetição uma cena extraordinária, que me faz recuperar a fé na vida.
Tem um senhorzinho lindo na academia onde costumo malhar. Dotado de uma beleza imensa e radiante — aquela que realmente importa, a que emana das ações admiráveis. Ele faz exercício sempre com a mesma roupa: uma camisa do flamengo, short preto e tênis brancos. Sempre. Não sei se é literalmente a mesma camisa, o mesmo short, se são os mesmos tênis ou se ele é apenas metódico e gosta de comprar roupas parecidas. Mas o look, em essência, é sempre o mesmo.
Se ele fosse uma celebridade, apareceria naquela parte de uma revista de fofoca que denuncia quem repete roupa no tapete vermelho. Ele com certeza seria minha estrela de Hollywood preferida. Eu sempre adoro as atrizes que repetem looks no tapete vermelho, são as mais sensatas.
Enfim, voltando ao assunto inicial…. O senhor em questão não é apenas o máximo porque parece ser simples e não se render à superficialidade de padrões estéticos. Não posso negar, claro, que essa hipótese sobre ele conquistou minha simpatia. No entanto, outro motivo, real e muito mais especial, fez com que aquele velhinho conquistasse o meu coração.
Todas as vezes em que o vi, ele agiu numa sequência quase que coreografada. Primeiro, chegou a passos bem lentos na recepção e, logo depois, cumprimentou com um aceno os funcionários. Sempre com um aceno. São os mesmos funcionários que, ocupados demais, raramente escutam o meu “bom dia”. Eles sempre acenam de volta ao senhorzinho. Ou seja, não foi só o meu coração que aquele danado velhinho flamenguista conquistou, mas, aparentemente, o de todo mundo.
Depois de sua entrada bastante simpática, a passos bem lentos, ele segue em direção à esteira. Pelo que observo, é o único aparelho que ele usa por lá. Ao subir nela, dá início ao protagonismo em uma das cenas mais bonitas que meus olhos já testemunharam. Sem provavelmente se dar conta do quão inacreditável é a sua ação, ele caminha na velocidade mais lenta que é possível alguém caminhar.
Não há diferença alguma entre a velocidade natural de seu andar pela recepção da academia e a que ele escolhe para iniciar seu treino aeróbico. Não é só um aquecimento. Ele realmente se mantém exatamente na mesma velocidade ao longo de todo o tempo que fica na academia. É uma cena incrível, completamente destoante do que acontece ao redor. Ao lado dele, há quase sempre jovens correndo feito atletas de alta perfomance, na missão de queimar o máximo possível de calorias, contemplando o reflexo de seus corpos esculpidos no espelho. Ele, na mais autêntica das rebeldias, caminha quase em câmera lenta.
Sinto uma forte emoção quando o vejo. Reconheço o quão inspirador ele é. Ele me faz lembrar do que minha mãe, apaixonada pela filosofia do yoga, costuma dizer: “o importante não é a perfeição do ásana (da postura), mas a força da intenção com a qual ele é realizado”. Nesse sentido, o caminhar lento daquele senhorzinho é, na realidade, uma movimento de intensidade avassaladora.
Seus passos aparentam ser frágeis e instáveis, mas são na realidade os mais firmes que já foram dados naquela academia. A sua beleza, destacada no título desse meu pequeno texto, é a sua inabalável força interna. Quando olho pra aquele senhorzinho, muitas vezes sorrio discretamente, de longe. Meu sorriso é uma reverência à sua grandeza de mestre.
Fiquei pensando se esse senhor não seria a materialização da sua newsletter. Ou qual acaso entre duzentas e vinte e cinco milhões de smarfitis pelo Brasil, foram parar em uma mesma, uma moça que escreve a ando bem devagarinho e um senhor para quem andar bem devagarinho é o exercício perfeito.
Amo que as cenas mais banais do cotidiano viram cenas de filmes ganhadores de Cannes no seu olhar. Obrigada por compartilhar!